Internacional – 04/01/2013 – 16:01
O Japão tem a segunda maior taxa de adoções do mundo, com 80 mil ao ano. Mas a maioria dessas adoções não é de bebês ou crianças, mas de homens adultos na faixa dos 20 ou 30 anos. Isso tem origem numa prática centenária, que surgiu como resposta ao dilema da sobrevivência dos negócios familiares sem um herdeiro homem para gerir o negócio.
A história tem início no ano 717, quando, segundo conta a lenda, o deus do monte Hakusan visitou o monge budista Taicho Daishi em um sonho e disse a ele para encontrar uma fonte de águas termais no vilarejo próximo de Awazu – onde hoje está a cidade de Ishikawa. Daishi descobriu o lugar e ordenou ao seu seguidor Garyo Hoshi que construísse uma pousada no local.
Garyo Hoshi, por sua vez, ensinou preceitos do budismo aos visitantes e adotou um filho como sucessor, ao qual deu o seu apelido de infância, Zengoro. Assim teria começado o negócio familiar mais longevo do mundo, segundo o livro Guinness World Records. Desde então, por quase 1.300 anos, o hotel e o nome – Zengoro Hoshi – vem sendo mantido pela família ao longo de 46 gerações.
Mas num país em que um filho homem normalmente recebe a incumbência de ser o herdeiro da família, como eles conseguiram ter sempre filhos homens?Aí é que está o segredo. “Quando havia somente meninas, adotamos o marido de uma das filhas”, diz o último Zengoro Hoshi. “Inclusive meu pai se juntou à família Hoshi por casamento e foi adotado”, conta.
Decisão pragmática
A prática única de adoções de estilo japonês é conhecida como Mukoyoshi.”Historicamente, a prática tem sido muito mais comum em famílias da parte oeste do Japão, onde famílias de mercadores tentavam escolher os sucessores mais capazes”, explica a socióloga Mariko Fujiwara, do Instituto Hakuhodo.
Se a família não tinha um filho considerado capaz de suceder o pai, tentava encontrar um homem mais capaz para se casar com uma de suas filhas. “Era uma decisão muito pragmática para garantir a sobrevivência do negócio familiar”, observa.
Mesmo hoje em dia, a grande maioria das companhias japonesas são consideradas negócios familiares. Elas incluem nomes conhecidos como as montadoras Toyota e Suzuki, a fabricante de câmeras Canon ou a indústria de molhos Kikkoman. A Suzuki é conhecida por ter sido gerenciada por filhos adotivos. O atual presidente da empresa, Osamu Suzuki, é o quarto filho adotivo em sequência a administrar a companhia.
“Negócios familiares que são administrados por genros estão em muitos casos muito melhor do que os negócios familiares gerenciados por seus próprios filhos”, afirma Yasuaki Kinoshita, da Nissay Asset Management, que investe em companhias japonesas. “Quando eu tomo a decisão de investir em uma companhia aberta que ainda pertence a uma família, os principais pontos negativos são a administração corporativa e a sucessão”, diz.
Sobrenome adotado
Na Matsui Securities, o quarto presidente da companhia, Michio Matsui, foi adotado e assumiu o sobrenome da família proprietária da empresa. “Eu era o filho mais velho, então fiquei um pouco hesitante de ser adotado por outra família”, conta. “Mas meus pais biológicos disseram que talvez isso fosse meu destino.”
Historicamente, porém, a mudança de sobrenomes não era um grande problema, porque muitos simplesmente não tinham sobrenomes. “Há somente 150 anos, as pessoas não tinham sobrenomes a não ser que viessem de uma classe social importante de samurais”, explica a socióloga Fujiwara. “E quando você mudava seu nome, era normalmente porque havia recebido um novo nome como um prêmio por algo que tivesse conquistado”, diz.
Site de encontros
Chieko Date criou um site de encontros para mulheres que procuram maridos dispostos a serem adotados por suas famílias. “Há seguramente uma demanda, porque a taxa de nascimentos no Japão vem caindo, e muitos pais somente têm uma filha”, diz.
“Muitos homens também estão procurando oportunidades de usar sua capacitação para os negócios fora do mundo corporativo, porque no atual clima econômico, subir na hierarquia das empresas é muito mais difícil”, acrescenta Date.
Tsunemaru Tanaka se inscreveu recentemente no site. Ele estabeleceu um negócio de sucesso, mas o perdeu para sua ex-mulher, que também era sua sócia. Agora, ele quer ser adotado para assumir um negócio familiar.
“Não tenho problemas em mudar meu sobrenome, porque eu vejo isso como um apelido dado pelo governo para o registro familiar”, diz. “Tenho confiança de que meus conhecimentos podem ser úteis, então se há uma chance de que eu herde um negócio familiar e o torne bem-sucedido, isso seria bom para todo mundo”, afirma.
Ele já se reuniu com seis mulheres com a ajuda do site, mas até agora não encontrou sua parceira ideal. “Eu procurei informações sobre as companhias que as famílias dessas mulheres possuem”, conta. “Não vou me casar com suas empresas, mas ainda assim queria saber mais.”
Expectativas claras
Para Fujiwara, os homens que se casam com mulheres cujas famílias são proprietárias de empresas já sabem o que se espera deles. A socióloga diz ter descoberto já na idade adulta que seu próprio avô foi adotado dessa maneira. “Do homem adotado se espera que seja um marido e um pai bom e carinhoso e também um homem de negócios capaz”, diz.
Segundo ela, se essas expectativas ficam claras desde o início, como em um acordo de negócios mútuo, pode ser mais fácil de administrar que um romance ardente.
Fonte: Portal Terra