“Inclusão e acolhimento são caminhos eficazes para combater a depressão e a automutilação entre adolescentes e jovens”, afirma Mario de Oliveira
“A dor do corte em meu braço era o melhor jeito de aliviar a dor dos meus pensamentos”, disse Sabrina (nome fictício) sobre sua intenção ao começar a automutilação.
16/10/2019 15h18
Por: Márcio Martins Araújo
A procura de alívio
Esta é uma condição cada vez mais comum encontrada entre jovens e adolescentes brasileiros que, cercados de informações, estímulos em excesso por meio da conexão à internet, pressões pelas diversas tarefas a serem desempenhadas, bullying e cyberbullying entre colegas, tendem a procurar alívio em uma prática dolorosa que geram feridas profundas tanto no corpo quanto na mente, contou Mario de Oliveira.
A autoconfiança abalada, a frustração e o medo de serem descobertos pelos machucados que causam a si mesmos levam os jovens a esconderem cada vez mais seus sentimentos, dificultando muito o acesso dos pais, de responsáveis e de líderes das igrejas que poderiam prestar algum tipo de socorro, mas que também se chocam quando são confrontados por tais situações.
Especialistas
De acordo com especialistas em psiquiatria, pelo menos “um a cada cinco adolescentes já praticou a autolesão não suicida ao menos uma vez na vida” e esses dados tendem a aumentar. Aliás, é necessário reforçar que o termo “autolesão não suicida” acaba sendo mais correto, considerando que nem sempre a vontade de tirar a própria vida está associada a este ato.
As causas iniciais possíveis para a autolesão podem estar relacionadas a um quadro de comportamento de pessoas que sejam mais impulsivas e emocionalmente instáveis, característica típica de jovens e adolescentes que ainda não conseguem expressar os seus sentimentos e todo o complexo sistema de psiquismo (conjunto dos estados e processos psíquicos de um ser humano).
Socorro
“Podemos perceber que a autolesão acabou se tornando um tipo de pedido de socorro para as angústias que impedem nossos jovens de saírem sozinhos do sofrimento que estão mergulhados”, diz Mario de Oliveira.
A síndrome do pensamento acelerado (SPA), conceito desenvolvido pelo médico psiquiatra, psicoterapeuta e escritor Augusto Cury, explica bem como os adolescentes não conseguem lidar com a ansiedade, a falta de concentração e de memória, e como estão cada vez mais irritados.
Sofrem por antecipação, não conseguem dormir, relaxar e, principalmente, desacelerar seus pensamentos. E, por tendência, “acaba por estressar e desgastar o cérebro, impedindo-os de desenvolver outras funções, como a reflexão, paciência, resiliência, empatia,
criatividade e tolerância, por exemplo”, afirma Cury. Sem a boa gestão dos pensamentos, a possibilidade de se envolver com outros distúrbios e depressão é grande.
Depressão
A depressão, para a OMS (Organização Mundial da Saúde), é o “Mal do Século”, que se manifesta por meio de pessimismo, tristeza, baixa autoestima, oscilação de humor e pensamentos que se combinam e culminam em comportamentos como o da autolesão.
“Em casos mais graves, o sujeito pode até tentar o suicídio”, alerta Mario de Oliveira. O Ministério da Saúde afirma que “os fatores psicológicos e sociais muitas vezes são consequência e não causa da depressão”, pois há uma série de alterações químicas no cérebro de quem está com depressão, como a oscilação dos neurotransmissores responsáveis pela condução de substâncias que emitem impulsos nervosos entre as células, tais como a serotonina, noradrenalina e até a dopamina.
Segundo Mario de Oliveira, seja a SPA, a depressão ou qualquer outra justificativa médica e psicológica para a autolesão, a realidade é que nossos jovens e adolescentes estão clamando por ajuda, orientação e conforto em meio a tantos problemas, inclusive, de ordem social.
Um dos discursos recorrentes entre quem pratica estes cortes em seus corpos é a tentativa de chamar a atenção dos pais, tanto que há casos de quem chegou a postar vídeos e fotos nas redes sociais com o objetivo de provocar uma mudança nas relações domésticas, já que, infelizmente, alguns responsáveis não conseguem dar a atenção devida a seus filhos.
Músicas, filmes e séries
Em meio a essa solidão, recorrem a referências que estão espalhadas pelas mídias, como músicas, filmes e séries, que retratam a dor de personagens, ou até de seus interpretes, e como lidam com as frustrações do dia a dia. Em um seriado produzido pela Netflix chamado “13 Reasons Why” (ou “Os 13 Porquês”, nome dado no Brasil ao livro que baseia a série, lançado em 2009), e que já está na terceira temporada, mostra uma personagem chamada Skye Miler, que lida com a questão da autolesão.
De acordo com Mario de Oliveira, trata-se de alguém que não consegue se envolver socialmente, possui poucos amigos, é de temperamento mais frio e calculista, e se veste de modo que foge ao padrão de seus colegas.
A narrativa mostra que ela é alguém sozinha e que a mutilação feita em si mesma é um meio de aliviar a dor do abandono. Tanto que, ao se relacionar com outro personagem, volta a se cortar quando há uma possibilidade no término de namoro deles.
Hanna Baker
O seriado é tão polêmico que esta situação não é a central da história. A protagonista, Hanna Baker, se suicida e deixa um material em 13 fitas gravadas para os colegas mostrando seus motivos para pôr fim à vida. Tanto que Skye chega a afirmar que “o suicídio é para os fracos”, pois, para ela, a solução é a própria mutilação. Para muitos, este seriado “glamouriza” os suicidas.
Demi Lovato
Há também o caso da cantora Demi Lovato, que assumiu os cortes que fazia em seus pulsos, tanto que acabou tatuando a mensagem “stay strong” (“mantenha-se forte” em tradução livre) nos lugares onde ficaram as cicatrizes. E tais ideias se espalham rapidamente pela internet, cujo lado positivo, para alguns, é que gera uma mínima solidariedade em quem já passou por isso. Para Mario de Oliveira, no entanto, “o lado negativo é que a mensagem inicial só fomenta ainda mais a afirmação de que a autolesão é o caminho para lidar com os problemas”.
O bullying também é um grande responsável pelo transtorno causado nos jovens. Ofensas, xingamentos, violência física, tudo isso faz o adolescente se afastar do convívio social, afetando diretamente a autoestima de cada um, tirando a confiança necessária para os desafios que são postos tão precocemente em nossa sociedade.
Desse modo, se não houver um acompanhamento mais próximo das pessoas que estão nessa condição, a tendência é que “os jovens procurem alívio e direção em fontes que não sejam as mais seguras, principalmente aquelas que não estão em consonância com os princípios transmitidos por Deus para nossas vidas e tão reforçados na obra de Cristo deixada para nós”, avisa Mario de Oliveira.
E é aqui que a Igreja do Evangelho Quadrangular vem atuando.
Sabe-se que o grande ponto de convergência entre as diversas áreas que estudam o comportamento humano é que para mudar a condição daquele que se automutila ou que está em depressão é a inclusão e o acolhimento. E estes são dois princípios presentes nas células.
“A Quadrangular tem uma grande preocupação com o desenvolvimento das atividades nas células porque entende que estas reuniões em pequenos grupos nos lares são de extrema importância, possibilitando o cuidado às feridas emocionais abertas” diz Mario de Oliveira.
Trilho do Crescimento
As células são resultado de um propósito posto por Deus no coração do Rev. Mario de Oliveira, que foi iniciado em 2011 no projeto de nome Trilho do Crescimento, cujo objetivo é o de proporcionar um relacionamento cada vez mais próximo com as pessoas, fortalecendo as estruturas das igrejas locais e carregando em sua gênese uma estratégia muito parecida com o que acontecia na época de Jesus e, posteriormente, utilizada pelos Apóstolos na Igreja Primitiva.
“A hospitalidade gerada pelas interações nos lares facilita a aproximação destes jovens e adolescentes pois há um processo de identificação uns com os outros, gerando laços mais estreitos e a possibilidade de um contato e orientação mais intimista de suas lideranças” afirma Mario de Oliveira.
A célula é um grupo que varia de 5 a 15 pessoas que se reúnem semanalmente para comunhão, edificação e evangelismo. Desse modo, cada pessoa tem a possibilidade de se envolver com um ambiente que é apropriado para o cuidado e o crescimento espiritual.
IEQ
“Em 2018, a IEQ já contabilizava mais de 56.700 células para adultos, sem contar as mais de 7.100 células para crianças e juniores”, celebra Mario de Oliveira. Estes números não param de crescer e os resultados são admiráveis.
Assim foi o caso de Ana Catita, 16 anos, de Sorocaba-SP, que passou por um grave quadro de depressão por conta de um momento sensível em sua vida, que era o processo de divórcio dos pais. Perdeu a vontade de frequentar as aulas na escola, não queria mais sair do seu quarto e quase perdeu o ano letivo por isso.
Até que foi convidada por uma amiga a participar da célula. De início, resistiu a aceitar o convite, mas logo percebeu que a acolhida de sua amiga poderia ser uma ferramenta importante de superação. Nas células, Catita voltou a sorrir, a conversar e se envolver com os adolescentes.
Acabou se batizando e se envolvendo nas atividades da Quadrangular, se tornando líder do projeto Conexão, grupo de louvor de sua igreja. Como resultado, a mãe, a avó e o namorado se converteram e já se batizaram também.
Talita Luvizotto
A Pra. Talita Luvizotto, da IEQ Iguatemi de Sorocaba (SP) e Coordenadora Nacional de Adolescentes, explica que os adolescentes procuram as células pela necessidade de ter e estar em uma turma.
Os processos de inclusão social e de aceitação do grupo são extremamente importantes nessa idade. No entanto, os frutos gerados pelas células atingem todos os perfis de frequentadores.
“Os mais velhos se sentem valorizados, os jovens conseguem envolver suas famílias, os juniores despertam a curiosidade e o senso de pertencimento, os casais buscam o fortalecimento do matrimônio e os músicos, que muitas vezes ainda não conseguem tocar na igreja, se tornam responsáveis pelo louvor na célula e se desafiam ainda mais”, afirma Luvizotto.
Relatos
Thamires Araújo Torres, 16 anos, também tem um testemunho surpreendente. Após uma grande perda em sua vida, teve depressão e perdeu toda a motivação que tinha para viver.
Não conseguia enxergar uma solução para os problemas pessoais, sociais e familiares que estava enfrentando, até que, em 2016, tomou uma grave decisão.
“Não sentia mais amor, não sentia mais vontade de viver e fiquei assim durante 1 ano. A cada segundo que passava e a cada dificuldade que aparecia, eu só queria calar a minha dor. Em uma das minhas crises, peguei um objeto cortante e fui até um cômodo da minha casa chorando. Desesperada e sem direção, determinei que aquele seria o meu último dia.
Ao tentar pressionar a faca em meu corpo, minha mão se abriu, lançando o objeto para o outro lado do cômodo”. Naquele momento, não entendeu o que era isso, mas hoje afirma que já era Deus agindo em sua vida. “Quando corri para meu quarto, peguei meu celular e lá estava uma mensagem de uma amiga, que não sabia de nada.
Ela estava me chamando para conhecer uma célula porque lá Jesus iria falar comigo”, conta Thamires.
Renovação
Depois de dois dias, aceitou o convite e foi para a célula. Foi ministrada, acolhida, auxiliada. “Acima de tudo, foi a primeira vez que ouvi Deus falar comigo.
Foram dias de renovo, de recuperação das forças e de esperança. Desde então, tenho confiado a minha vida nas mãos do Senhor Jesus”.
Mario de Oliveira comenta que sua opinião sobre a célula reforça todo o propósito que a IEQ tem quando começou estes trabalhos. “Jesus transformou a minha vida e usou a célula para fazer isso. Hoje a igreja é o lugar onde eu consigo ser aquilo que jamais pensei conseguir me tornar.”
As pessoas são realmente transformadas pelas células, é o que afirma a Pra. Mel Maximino, pastora da IEQ Sede de Poços de Caldas e também psicóloga.
Variedade
“Vêm pessoas para as células de perfis distintos. São jovens e adultos que chegam depressivos [em casos mais graves] ou que só precisam de Jesus”, mas chama a atenção especificamente pela grande participação dos jovens nesses movimentos. “Diferentemente da pessoa casada, que vive [mais restrito] àquele ambiente de casa juntamente com a família, o jovem vive em grupos e, por isso, a célula é uma grande ferramenta [de acolhimento] porque um vai chamando o outro.
E como a célula hoje tem uma visão de mentoreamento, o discipulado [desenvolvido nesse ambiente] engloba tanto a vida prática e secular como a vida espiritual. E por meio disso tem um ganho cada vez mais de jovens. Aqui em Poços de Caldas tem as células universitárias, as células dentro das escolas e as células domésticas.
Comunhão
E depois das células ainda há os momentos de comunhão”, explica. Consequentemente, “o jovem acaba sendo amparado de modo a criar uma relação que vai além de falar de Jesus, mas também de amizade entre eles” completa Mario de Oliveira.
Sendo assim, a procura do adolescente e do jovem pela célula começa pela expectativa do exercício da empatia, que é a habilidade de se colocar no lugar do outro que facilita a compreensão dos sentimentos e ideias do próximo. “Isso faz com que ele [jovem/adolescente] fique mais confortável porque um passa a apoiar o outro.
Relacionamento genuíno
Tem mais a escuta, mais o olhar, fazendo com que consigam trabalhar mais juntos e ter um relacionamento genuíno, pois sempre comparam os relacionamentos que se tem no mundo, que são mais de interesses, com os que são construídos nas células, que são relacionamentos mais neutros”.
Inclusive quebram um paradigma secular de que meninos e meninas não podem ser amigos a não ser que haja algo a ser oferecido em troca, conforme reforça a Pra. Mel.
Amizades
“Existe essa questão entre os adolescentes. O gênero passa a não ser muito importante e permite a amizade entre meninos e meninas. Aqui eles aprendem de verdade a terem um relacionamento de amizade e não afetivos e sexuais”.
E qual seria o modo correto de agirmos quando nos deparamos com jovens e adolescentes que estão imersos na depressão ou que chegaram ao ponto da autolesão ou da tentativa de suicídio?
A Pra. Mel Maximino nos dá o seguinte conselho: “Primeiramente, nós como pais ficamos bravos ou até mesmo acuados diante dessa situação.
No entanto, o importante é que os pais não coloquem [o adolescente] de castigo ou tentem puni-los de alguma forma porque dentro dos casos da automutilação, por exemplo, há um teor muito forte de agressividade, por isso, a tendência é que, se o pai levar para o lado da punição, a pessoa poderá ficar ainda mais agressiva.
Também é necessário que os pais acolham, conversem, tentando ver o que pode ser feito e a razão disso ter acontecido.
Autojustificativas
Não se deve autojustificar em relação a isso, mas sim acolher e estar próximo. Por fim, deve-se encaminhar para um psiquiatra, pois este profissional dará um laudo, uma vez que são casos que necessitam da ministração de estabilizadores de humor. Dessa forma se faz um acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico juntamente.”
A célula, portanto, é um meio capaz de trazer conforto, segurança e intimidade que pode facilitar inclusive para os pais e responsáveis desses jovens e adolescentes. “A célula acaba sendo também um grande mecanismo para a expansão do Reino.
Por isso investimos em treinamentos e congressos, tudo para fortalecer o crescimento da igreja local. A célula é o primeiro degrau para levarmos o Evangelho de Jesus Cristo e formar novos cristãos”, afirma Mario de Oliveira.
Desse modo, “a Quadrangular caminha inspirada no que está em Mateus 11:28, abrindo caminho para Cristo e a obra redentora do Espírito Santo: ‘Vinde a mim todos vós que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei’”, conclui Mario de Oliveira.
Atenção a alguns comportamentos apresentados pelos jovens:
- Uso de roupas com manga comprida em dias de calor é um sinal clássico de quem está se autolesionando.
- Alta irritabilidade, falta de sono, dores pelo corpo, falta de energia, baixa concentração e sentimentos constantes de culpa podem ser sinais de depressão.
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