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Médicos pesquisam relação entre discriminação social e inteligência

Saúde – 02/01/2013 – 11:01

Filhos de imigrantes costumam ter notas escolares mais baixas que seus colegas. Causa não é genética, como alguns pensam. Estudos indicam que preconceito e exclusão podem causar danos permanentes em capacidade cognitiva. Cor de pele diferente é igual a origem diferente, que é igual a características humanas diversas: essa equação representa um equívoco muito comum. 

“Ela sempre foi simples demais para ser verdade”, diz Andreas Heinz, diretor da clínica de psiquiatria e psicoterapia do Hospital Universitário Charité, em Berlim. Ele balança a cabeça, divertido, ao contar sobre a médica de seus filhos: de pele e olhos escuros, ela tem um filho “selvagem”, considerado criança-problema na escola.

“Para a maioria das pessoas, estava logo claro: o pai devia ser turco ou árabe”, lembra. A suposta origem estrangeira era usada como possível justificação todos os problemas comportamentais do menino. “Só que o pai é médico e alemão”, rebate Heinz.

Livro controverso

Há algum tempo, voltaram à moda as teorias que relacionam o desempenho econômico de determinado país ao rendimento de seus habitantes em testes de QI, o qual, por sua vez, seria determinado pelas características genéticas comuns.

A suposta relação entre inteligência e etnia passou a ser discutida acaloradamente em programas de entrevista, cadernos de cultura e conversas de bar dois anos atrás, depois do lançamento do controverso livro Deutschland schafft sich ab (A Alemanha se extingue a si mesma, em tradução livre).

Em sua obra, o político social-democrata berlinense Thilo Sarrazin prediz para o país um futuro sombrio, devido a seu pouco sucesso na área da educação e à incapacidade de integrar os imigrantes turcos e muçulmanos. Sarrazin atribui o rendimento escolar das crianças com tais origens – de fato, mais fraco – à suposta herança do “equipamento intelectual de seus progenitores”.

Importância do fator social

“De fato, os genes desempenham um papel central no desenvolvimento da inteligência”, concorda o médico Andreas Heinz. No entanto, ele  destaca que um grande número de estudos também prova uma influência “bastante dominante” do meio ambiente sobre a capacidade intelectual dos indivíduos.

O desempenho de pessoas de origens e meios sociais distintos em testes de inteligência depende, portanto, do ambiente humano à sua volta. Estudos realizados nos Estados Unidos na década de 70 demonstraram que crianças negras adotadas por famílias brancas registraram uma melhora significativa em seus testes de QI, comparadas a outras crianças brancas e negras.

Segundo o recenseamento Mikrosensus 2011, os descendentes de imigrantes correspondem a 62% dos habitantes da Alemanha sem segundo grau concluído, e apenas cerca de 20% dos que obtêm o Abitur, certificado que dá acesso à universidade.

“Diferentes pesquisadores procuraram muitas vezes as causas para esse fato nas especificidades étnicas ou culturais, sobretudo de turcos e árabes”, critica o especialista em ensino Coskun Canan, da Universidade Humboldt, de Berlim.

Mulheres à frente na ascensão educacional

No entanto, examinando-se de perto os descendentes de turcos, constata-se que a falta de conclusão do segundo grau é mais frequente entre os de mais idade. Embora o rendimento escolar dos mais jovens siga sendo inferior ao daqueles sem histórico de imigração, ele é bem melhor do que o da geração de seus pais.

As jovens nascidas na Alemanha são o principal motor dessa melhoria nas estatísticas educacionais: cerca de um terço delas alcança a universidade ou a habilitação para uma carreira técnica, e a tendência é ascendente. É certo que, entre as mulheres sem origens estrangeiras, quase a metade alcança um grau educacional superior, mas aqui as gerações anteriores também já apresentavam um perfil educacional mais elevado.

“As alemãs descendentes de famílias turcas são o carro-chefe de todo o grupo”, comenta Coskun Canan, “acreditamos que elas vão puxar os homens junto consigo”. Os homens de origem turca, que tendem a estagnar no tocante à ascensão educacional, precisarão correr atrás das mulheres, se quiserem se casar dentro do próprio grupo étnico.

Estereótipos com vida própria

“Contudo, preconceitos também desenvolvem vida própria”, adverte Coskun Canan. Uma vez colocadas no mundo, assertivas como “turcos são refratários à integração” geralmente levam os que são assim descritos a, pouco a pouco, adaptar-se a elas. Os sociólogos denominam esse efeito stereotype threat – ameaça através de estereótipos.

Quando um professor não espera do aluno de origem turca o mesmo rendimento que dos outros, está sabotando as chances de desenvolvimento desse estudante. “Se, por exemplo, a criança se encontrar entre os conceitos escolares ‘satisfatório’ e ‘bom’, o professor possivelmente só lhe dará uma nota satisfatória”, explica Canan.

Ou, se o professor acredita que o aluno não conseguirá mesmo chegar à Realschule, que dá uma qualificação mais alta, então, ao entrar no nível médio, ele só obterá uma recomendação para a menos promissora Hauptschule. Deste modo, estereótipos são perpetuados por todos os envolvidos, e potenciais permanecem sem ser explorados.

Exclusão pode causar alterações cerebrais e genéticas

“Tais vivências de discriminação possivelmente se refletem diretamente no  nível neurológico, e podem prejudicar as capacidades cognitivas de forma permanente”, afirma Andreas Heinz. Experimentos com animais mostraram que a exclusão causa estresse e deixa marcas no cérebro.

“Pode-se medir isso perfeitamente, no modelo animal”, aponta Heinz. Quando um espécime agressivo assedia a cobaia, o sistema hormonal libera substâncias relacionadas ao estresse, como a serotonina, responsável pela comunicação entre os hormônios, mas também associada à depressão.

Os níveis do hormônio dopamina, ligado ao aprendizado, são também fortemente alterados. Isso pode resultar em modificações cerebrais, possivelmente até mesmo herdáveis pelas gerações seguintes.

Heinz e sua equipe pesquisam atualmente no Hospital Charité se mecanismos semelhantes ocorrem da mesma forma no cérebro humano. Ele pretende determinar se o estresse social também desencadeia certas reações bioquímicas nos seres humanos.

Será que, deste modo, genes responsáveis pelo grau de inteligência são ativados ou bloqueados? Será que a exclusão acaba por manter o rendimento intelectual dos atingidos abaixo de seu potencial genético? Seria essa reação ao estresse até mesmo hereditária? O psiquiatra Heinz acredita isso seja possível.

Uma coisa é certa, desde já: a exclusão social através de expectativas negativas é danosa. Por isso, deve-se incentivar tudo o que favoreça o desenvolvimento da inteligência, desde a competência linguística até a alimentação saudável. “A pior coisa que pode acontecer, é ser classificado na gaveta dos incapazes”, alerta Andreas Heinz.

Fonte: Portal Terra

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