Em 24 de janeiro de 1835, Salvador (BA) foi palco de uma das mais importantes revoltas urbanas de escravizados no Brasil. Durante mais de três horas, trabalhadores africanos enfrentaram civis e soldados coloniais na Revolta dos Malês. Este movimento é lembrado até hoje em estudos, livros, blocos de carnaval, filmes e exposições de arte.
Estima-se que 600 africanos tenham participado da revolta, o que equivale a cerca de 12 mil pessoas em relação à população atual de Salvador. Segundo o historiador João José dos Reis, mais de 70 africanos morreram nos conflitos, e cerca de 500 foram punidos com penas de morte, prisão, açoites ou deportação.
Apesar de durar pouco tempo, o especialista afirma que foi o levante de escravos urbanos mais sério ocorrido nas Américas. Na época, Salvador tinha aproximadamente 65,5 mil habitantes, dos quais 42% eram escravos e 29,8% eram negros ou pardos livres.
O termo “malê” referia-se aos africanos muçulmanos trazidos ao Brasil, principais organizadores do levante. Conhecida também como Grande Insurreição, a Revolta dos Malês foi parte de diversas revoltas que ocorreram na Bahia entre 1807 e 1844.
Segundo o historiador e sociólogo Clóvis Moura, a revolta de 1835 foi cuidadosamente planejada. Os escravos se reuniram secretamente em diversos pontos de Salvador e criaram um clube na Barra da Vitória. O plano era seguir para os engenhos após a eclosão da rebelião na cidade.
Legado contemporâneo
A Revolta dos Malês ecoa até hoje em diversos aspectos culturais. Em 1979, a revolta inspirou a criação do bloco afro Malê Debalê, em Salvador, em homenagem aos que lutaram contra a escravidão em 1835. O livro “Um Defeito de Cor”, de Ana Maria Gonçalves, publicado em 2006, também retrata a revolta no contexto de sua narrativa.
Em 2024, estreou o filme “Malês”, dirigido e estrelado por Antônio Pitanga, que conta a história da insurreição. A exposição “Eco Malês”, em cartaz na Casa das Histórias de Salvador até maio de 2025, reúne 114 obras de 48 artistas, refletindo as influências contemporâneas da revolta.
O curador da exposição, João Victor Guimarães, destacou a importância da negociação e colaboração para alcançar objetivos comuns, refletindo a estratégia dos malês em 1835.
A revolta
Marcada inicialmente para o dia 25 de janeiro, data que celebrava o fim do Ramadã, a revolta foi antecipada em um dia após uma delação. Os rebeldes, vestidos com roupas tradicionais muçulmanas, enfrentaram as forças coloniais nas ruas de Salvador.
Entre as lideranças da insurreição estavam negros nagôs, hauças, tapas e de outras nações africanas, tanto escravizados quanto livres. Destacam-se os escravos Pacífico Licutã e Ahuna, o preto forro Belchior da Silva Cunha, e Lupis Sanim e Manuel Calafete.
A maior independência dos escravos urbanos, que trabalhavam nas ruas para seus senhores, facilitou a organização da revolta. Clóvis Moura destaca que as lutas escravas ao longo dos quase 400 anos de escravidão no Brasil desgastaram a classe senhorial em aspectos político, econômico e psicológico.
O medo da classe senhorial diante do grande número de escravos e da possível consciência da exploração é constantemente referido nas documentações da época. Em 1804, o Haiti conquistou a independência após uma revolução dos escravizados, fundando a primeira República negra liberta das Américas.
Com informações Agência Brasil