Geral – 17/01/2012 – 16:01
Uma nova pesquisa acaba de revelar que entre as abelhas jataí (Tetragonisca angustula) existem indivíduos adaptados fisicamente para desempenhar ao longo da vida uma única função: defender a colmeia.
Até então, os cientistas achavam que a divisão de tarefas nas colônias fosse baseada apenas na idade das abelhas e que todas, com exceção da rainha, desempenhassem os mais diferentes papéis. O estudo, feito por cientistas do Brasil e do Reino Unido, foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
“Entre formigas e cupins a existência de castas especializadas e fisicamente adaptadas a uma determinada função é bem conhecida e descrita na literatura. Mas entre abelhas isso é um fato novo”, disse Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental e um dos autores do artigo.
A pesquisa, feita em parceria com pesquisadores da Universidade de Sussex, é um desdobramento do Projeto Temático “Biodiversidade e uso sustentável de polinizadores, com ênfase em abelhas Meliponini”, realizado no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP e coordenado pela professora Vera Lúcia Imperatriz Fonseca, do Instituto de Biociências da USP.
“Fazíamos outra pesquisa com abelhas jataí para tentar descobrir como elas identificam se um indivíduo pertence ou não à colônia. Foi quando notamos que as guardas eram bem maiores que as outras. Foi chocante, pois a diferença era perceptível a olho nu”, contou Menezes.
Testes de laboratório não só confirmaram que as abelhas soldados eram 30% mais pesadas do que as forrageiras – encarregadas de buscar alimento – como também revelaram diferenças morfológicas entre as duas castas. “Vimos que as forrageiras possuem a cabeça maior, enquanto as guardas têm pernas mais desenvolvidas. Verificamos ainda diferenças no tamanho do tórax e das asas, porém menos significativas”, disse.
Essas variações físicas, possivelmente, estão ligadas às atividades que cada abelha executa. Como as forrageiras saem da colônia em busca de alimento e precisam memorizar o caminho de volta, necessitam de um cérebro mais desenvolvido. Já os soldados se valem das pernas maiores para atacar o inimigo e imobilizá-lo com própolis. “Novas pesquisas são necessárias para confirmar essa hipótese”, disse Menezes.
Os pesquisadores também verificaram que há uma subdivisão entre as abelhas soldados. Uma parte guarda a entrada da colônia enquanto outra fica sobrevoando o local e monitora a chegada de inimigos. Ao todo, a casta representa apenas 1% da colônia – entre 30 e 50 indivíduos –, número suficiente para atender a demanda por defesa.
Rivais
As chamadas abelhas ladras, como as da espécie iratim (Lestrimelitta limao), são as principais ameaças para as jataís. Esses insetos costumam invadir as colmeias de outras espécies para roubar mel, pólen, alimento das larvas e até cera. Mas, como os próprios pesquisadores ressaltam no artigo, embora as jataís sejam abelhas sem ferrão, não são indefesas.
Na segunda etapa da pesquisa, os cientistas analisaram como esses soldados se comportavam diante do ataque de uma abelha ladra. “Com uma pinça especial, pegávamos uma iratim e colocávamos na frente da colônia de jataís. Em instantes as guardas que sobrevoavam a colmeia mordiam a asa da invasora, impedindo-a temporariamente de voar”, contou Menezes.
Como as abelhas invasoras eram maiores e mais fortes que a jataí, geralmente conseguiam levar a melhor. Mas, quanto maior era a guarda, mais tempo durava a briga e mais tempo a colônia tinha para se preparar para a invasão.
Quando a chegada das inimigas era notada com bastante antecedência, contou o pesquisador, as abelhas soldados conseguiam até evitar a pilhagem. Para isso, bloqueavam a entrada da colmeia com resinas, deixando todas as abelhas confinadas por dois dias.
“Nossa hipótese é que os ataques sucessivos de abelhas ladras foram a grande força evolutiva que fez as jataís desenvolverem uma casta especializada em defesa”, disse Menezes.
Mas essa diferenciação física, ressaltou o pesquisador, também tem um custo. “Indivíduos muito especializados não conseguem desempenhar outras tarefas se necessário. Não conseguem atuar como forrageiras, por exemplo, para atender a necessidades momentâneas da colônia”, explicou.
Até onde se sabe, o caso das jataís é único entre as abelhas. Nas demais espécies, a divisão de trabalho é baseada na idade das abelhas, o que os cientistas chamam de polietismo etário.
As operárias mais novas desempenham funções internas, como produzir e manipular a cera, limpar favos, produzir células onde serão abrigadas as larvas, manipular o lixo internamente. Após certa idade, assumem funções externas. Primeiro levam o lixo para fora da colmeia e, por último, tornam-se guardas e forrageiras.
“As funções mais arriscadas são as últimas, pois, se as abelhas morrerem, já desempenharam todas as outras. A perda é menor para a colônia”, explicou Menezes.
Muito comum no interior de São Paulo, as abelhas jataí pertencem à tribo Meliponini, também conhecidas como abelhas sem ferrão. Essa tribo foi foco do Projeto Temático coordenado por Imperatriz-Fonseca e concluído em 2010.
Fonte: Agência Fapesp